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Dismorfia corporal: ferramentas para entender e se comunicar com o paciente

Na área de estética, é comum recebermos pacientes que sofrem de dismorfia corporal, um transtorno que torna obsessiva a insatisfação com a aparência física. Como podemos nos preparar para acolher e ajudar esses pacientes? Entender a doença e como ela afeta o dia a dia dessas pessoas é um bom começo

Em A Metamorfose, livro mais conhecido do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924), o personagem principal Gregor Samsa acorda, num dia qualquer, e se vê transformado em um grande e asqueroso inseto. A obra é reverenciada por narrar esse estranho acontecimento de forma realista, associando senso de humor a determinadas tragédias da condição humana.

As descrições das cenas são tão verossímeis que se criou uma discussão sobre a possibilidade de Kafka ter enfrentado o chamado Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), também conhecido como “dismorfia corporal” ou “síndrome da feiura imaginária”. Isso porque, além de sua obra ficcional, o escritor costumava utilizar adjetivos negativos para se referir à própria aparência. “Miserável”, “desprezível”, “braços desajeitados”, “postura encurvada” e “ombros caídos” eram algumas das expressões encontradas recorrentemente em seus diários.

Não é possível saber se o diagnóstico da dismorfia corporal era preciso para o autor de A Metamorfose, mas podemos nos inspirar em seu exemplo para tentar entender como se sentem as pessoas que enfrentam esse transtorno. Além disso, por trabalharmos com estética, harmonização e autoestima, é comum recebermos pacientes com esse distúrbio psicológico em nossos consultórios.

Aliás, de maneira geral, podem ser os dermatologistas e os cirurgiões plásticos os primeiros a detectar os sinais iniciais do problema; e não, necessariamente, psicólogos e psiquiatras. Isso porque, na maioria dos casos, esses profissionais atendem pessoas com TDC em busca de procedimentos estéticos ou intervenções cirúrgicas para corrigir possíveis “falhas” que eles imaginam ter no corpo.

Mas, o que fazer quando isso acontece? Que abordagem adotar para acolher e aconselhar esses pacientes da maneira mais adequada? O primeiro passo é compreender a doença e como ela afeta as pessoas tanto na instância biológica quanto na vida cotidiana e nas relações pessoais.

O que é a dismorfia corporal?

Não gostar de alguma parte do corpo ou querer melhorar algum detalhe é normal. Mas, quando essa preocupação atinge um patamar obsessivo e assume o controle da vida do paciente, ela é considerada uma doença. Nesses casos, tudo o que ele faz ou deixa de fazer está relacionado com os objetivos de melhorar a imagem ou esconder o que não gosta no próprio corpo.

Por esse motivo, é comum que o TDC seja confundido com uma “vaidade exagerada”. Mas, quem sofre desse distúrbio demonstra sinais específicos, como uma autoestima extremamente baixa e a busca por corrigir supostos defeitos que nem mesmo existem. Assim, quando existe uma angústia excessiva com a autoimagem e com pequenas imperfeições no corpo ou no rosto, a ponto de afetar a vida e rotina da pessoa, é sinal que ela precisa de ajuda.

O paciente que sofre com dismorfia corporal tem pensamentos delirantes, catalisados por uma visão deturpada e exageradamente negativa sobre si mesmo, ainda que todas as evidências externas mostrem o contrário. E isso afeta diretamente o seu cotidiano, já que a vergonha da própria imagem faz com que muitos deixem de realizar atividades sociais e até mesmo de estudar ou trabalhar.

Quando alguém com TDC realiza algum procedimento estético, é comum que se sinta frustrada no futuro; pois, devido a doença, ela não enxergará o resultado e sua aparência continuará sendo uma preocupação constante.

Que abordagem adotar com esses pacientes?

Como médicos, nossa função é observar e tentar identificar os sintomas para definir a melhor maneira de ajudar o paciente. No caso do TDC, os principais sinais são isolamento social, timidez excessiva, uso de roupas ou itens que escondam suas imperfeições, ansiedade e depressão.

Numa consulta de propósito estético, é preciso entender as motivações da pessoa para buscar tal procedimento ou tratamento. Então, é importante saber utilizar esse momento de conversa para fazer perguntas úteis para o seu trabalho e, também, para ter uma visão das inquietações que levaram o paciente até o consultório.

Nesse sentido, é importante conhecer a doença um pouco mais a fundo. Do ponto de vista médico, um bom ponto de partida é o livro Transtorno Dismórfico Corporal: A mente que mente, organizado pela psicóloga Maria José Azevedo Brito, pelo psiquiatra Táki Athanássios Cordás e pela cirurgiã plástica Lydia Massako Ferreira.

Segundo a sinopse da obra, “estudos de prevalência indicam que cerca de 1 a 6% da população geral sofre com o TDC. Em Psiquiatria, a prevalência é de 16% e em Dermatologia chega a 14%. Já em Cirurgia Plástica, a prevalência identificada é de até 57%. Portanto, é fundamental que o diagnóstico do transtorno seja determinado precocemente, a fim de evitar eventual piora ou riscos de suicídio”.

Já do ponto de vista emocional, é interessante conhecer como esse distúrbio afeta o dia a dia das pessoas para que a abordagem seja feita de maneira empática. Neste caso, uma boa fonte de informação é o canal EuVejo, da jornalista Daiana Garbin, no YouTube. Lá, ela fala abertamente sobre a sua própria experiência com a doença, conversa com especialistas e traz depoimentos de outras pessoas com TDC. Garbin também é autora do livro Fazendo as pazes com o corpo.

Vale reforçar que o diagnóstico do transtorno é feito por um psicólogo ou psiquiatra, que irá analisar a forma como a pessoa se vê e o quão deturpada e aumentada é a sua insatisfação por algo que, para o resto do mundo, é imperceptível. Tudo isso deve ser feito sem desacreditar de sofrimento do paciente com a sua própria imagem. O dermatologista também deve ter isso em mente. Ao perceber os sintomas, é necessário pensar em como tocar no assunto, acolher a pessoa e encaminhá-la aos profissionais competentes para que ela seja diagnosticada e possa iniciar o tratamento.

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